terça-feira, 26 de julho de 2016

Uber chega a 10 mil veículos no Rio, mas motoristas desconhecem a cidade

RIO - “Aceita uma água? Tem bala de café, fique à vontade”. “A temperatura do ar-condicionado está boa?”. “Qual a rádio de sua preferência? O volume do som está ideal?”. É tanta gentileza que, às vezes, o passageiro do Uber se sente até constrangido. Mas o que tem desconcertado os usuários do aplicativo é ouvir indagações do tipo “onde fica o Rebouças?”.

Dia desses, o servidor público Eduardo Menezes, de 53 anos, embarcou na Palio Weekend que parou na porta de sua casa, na Rua Ramon Castilla, atrás do shopping RioSul. Antes de se distrair lendo o jornal, pediu ao motorista que fosse pelo Santa Bárbara. Em sua primeira semana no Uber, o condutor acabou pegando o Aterro do Flamengo, caminho indicado pelo aplicativo Waze. Suando de nervosismo, com medo de ser mal avaliado, o rapaz admitiu não conhecer o túnel que liga a Zona Sul ao Centro há meio século.

— Não posso mais me distrair, pois sempre inventam uma rota maluca — disse Menezes, que anda de táxi quando vai a algum endereço desconhecido. — Taxista é que conhece bem a cidade.

Como a maioria de quem se cadastra no aplicativo nunca dirigiu profissionalmente — há técnico em radiologia, policial militar de folga, desempregado do petróleo, pensionista do estado e até pastor evangélico —, não são poucos os que vivem se perdendo pela cidade, testando a paciência do usuário, agarrados ao GPS com a fé de um devoto.

A engenheira Maria Assunção, que vive na Gávea, acionou o aplicativo para ir à Tijuca há pouco tempo. O caminho lógico seria pegar a Lagoa Rodrigo de Freitas, ou a Rua Jardim Botânico, e atravessar o Túnel Rebouças. Mas ela ficou surpresa ao ouvir uma pergunta do motorista.

— Onde fica mesmo o Rebouças? Desculpe, sou de outra cidade — disse o morador de Belford Roxo, que era um dos 690 mil desempregados do estado.

VOO PERDIDO

Para muitos condutores, o mapa da cidade é um mistério. O problema é maior se o passageiro também desconhece o caminho. Com tantas mudanças no trânsito do Centro, especialmente pelas obras do VLT, muitos que preferem Uber ao táxi ficam na mão. Como a designer Paula Pereira, que perdeu um voo para Curitiba. Saiu de casa com o dia amanhecendo rumo ao Santos Dumont, em 11 de junho, exatamente quando mudou a entrada do aeroporto para quem vem pelo Aterro — desde então, entra-se à direita pouco depois do Museu de Arte Moderna.

— Passamos a entrada e fomos parar na Marinha, tivemos que dar uma volta enorme e acabei chegando cinco minutos depois de encerrado o embarque. Tive que comprar outra passagem — contou Paula.

Entre os quase 1 milhão de turistas esperados na cidade durante a Olimpíada, muitos devem preferir o serviço de transporte via aplicativo, presente em mais de 60 países e com pagamento no cartão de crédito, aos táxis comuns. Serão pessoas como um casal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, que há duas semanas pediu um Uber X, versão mais barata do serviço, no Aeroporto Internacional Tom Jobim. O motorista acabou dando uma volta na Ilha do Governador antes de seguir para a Urca, e a corrida, estimada em R$ 50, saiu por R$ 70 — mais cara do que o táxi na bandeira um.

— Ele era gentil, mas estava tão perdido quanto a gente — conta o estudante de engenharia química Pedro Lucas Lima, potiguar de 22 anos, que passou uma semana no Rio com a namorada.

Criado na Califórnia, o aplicativo que revolucionou a forma como pessoas se locomovem nas metrópoles chegou ao Rio devagarinho. Em julho de 2015, meses após o início da operação, havia apenas mil motoristas, todos rodando em carros de luxo. A partir do mês seguinte, com o lançamento do Uber X — e uma campanha de marketing agressiva para atrair novos cadastrados, com regras cada vez menos exigentes —, o crescimento foi a galope. A empresa trata os números regionais como segredo de estado, mas segundo motoristas antigos, conectados por um seleto grupo de WhatsApp, a cidade tem 10 mil “parceiros”, como a empresa chama seus condutores — quase um terço dos 33 mil amarelinhos.

Para se consolidar no mercado, a companhia aboliu qualquer burocracia: o processo é todo on-line, resolvido em um dia. Entra qualquer um e muitos já ignoram a oferta de balas e água aos passageiros, um dos diferenciais no serviço. No caso do Uber Black, exige-se carro executivo do ano (ou 2015), o que atrai motoristas mais qualificados, boa parte há anos no ramo de transporte executivo. No Uber X, modelo econômico do aplicativo com corridas até 40% mais baratas que a do táxi, um veículo com oito anos de fabricação ainda é aceito. Como a empresa não checa os carros, surgem histórias peculiares: no mês passado, ao chamar um motorista do Uber na Lagoa, uma mulher se deparou com um taxista que usava o aplicativo, como contou a coluna Gente Boa, do GLOBO.

— Moro na Rua Visconde de Itamarati. Qualquer pessoa que conhece a Tijuca sobe o viaduto do Maracanã para chegar à minha casa. Os motoristas do Uber sempre vão por baixo, eles não conhecem nada — afirma a administradora Karla Salvador, de 32 anos. — Mas nunca deixaram de me levar, mesmo em dias de chuva, ao contrário dos táxis. Adoro o Uber. Todos os meus amigos só andam de Uber.

Com mais clientes a cada dia, os negócios da empresa não param de evoluir. Mês passado, seu valor de mercado chegou a US$ 62,5 bilhões. Um fundo de investimento árabe injetou US$ 3,5 bilhões na companhia, que sonha crescer no Oriente Médio. Mas a dura concorrência no exterior está chegando ao Rio: o aplicativo Cabify, que já começou a operar em São Paulo, envia convites a motoristas do Uber todos os dias.

— O assédio é diário, mandam e-mail e mensagem pelo celular — conta um motorista do Uber X, que pede anonimato.

ROMARIA DE DESEMPREGADOS

Na categoria Black, muitos criticam a expansão da empresa, que promete passar de 50 mil condutores no Brasil em outubro — em fevereiro, eram 10 mil. Francisco Nonato, que chegou do Ceará sem um centavo no bolso e foi taxista durante uma década, dirige um Toyota Corolla de R$ 85 mil. Diz conhecer a cidade na palma da mão. Defende que a companhia poderia ter um modelo de negócio diferente.

— O Uber X está destruindo os táxis e prejudicando a nossa imagem, com carros mal cuidados e motoristas que não conhecem o caminho. Deveriam ter investido mais no Black e apostado em qualidade. Mas capitalismo é assim — lamenta.

Uma romaria de desempregados vai todos os dias pedir informações no escritório do aplicativo, na Rua Uruguaiana, no Centro. Gente como Isidoro Rodrigues, de 29 anos, dispensado da indústria do petróleo. O geógrafo ganhava R$ 8 mil por mês em Macaé. Nascido na Baixada, pensa em cadastrar seu carro popular.

— Vou precisar do GPS — confessa. — Tudo menos o desemprego.

Nenhum comentário:

Postar um comentário